sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011

" Receba com simplicidade tudo aquilo que lhe acontecer ".
                                                                      (Rashi) 

Nesse instante estou relembrando 2010. Ganhei um ano inteiro para aprender muito, para refletir sobre os meus desacertos e para ouvir mais. E como ouvi! E apesar do esforço, ainda não sei ouvir o suficiente. Ajudei alguns e ajudei-me demais, com a ajuda de pessoas muito importantes. Trabalhei melhor o ego, joguei no lixo algumas paixões e desejos, abrindo espaço para a humildade e para a espiritualidade.

Conheci-me um pouquinho mais, embora o autoconhecimento seja uma cenoura na ponta do caniço!  

Acredito que o presente constrói o futuro e planto nele coisas boas, superando as adversidades que ocorrem. Tenho fé na boa colheita!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL !


Agradeça sempre, Peça o necessário e lhe será concedido.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"São Jorge"

Hermes era um sujeito bonito. Também era elegante e tinha um bom papo. Apesar dessas virtudes, ele só namorava mulheres feias. Tinha até uma teoria interessante sobre o fato:
- Mulher feia é pouco notada, portanto, pouco cobiçada pelos camaradas. Além disso, sou lindo e assim, as feias me valorizam muito e então tenho pouca chance de levar chifradas, ao contrário de namorar as belas!

De tanto pegar as menos favorecidas pela natureza, acabou apelidado pelos amigos e colegas de São Jorge, por motivos óbvios. Toda vez que ele passava por um punhado de gente conhecida, acompanhado das dita cujas, vinham as inevitáveis gozações: - Aí, São Jorge, levando o dragão prá passear, hein? Fala, São Jorge! Já matou ou ainda vai matar? São Jorge, a mamãe dragão acha ela linda de morrer!

No começo ele levava na brincadeira e retrucava, fazendo gestos obcenos ou respondendo pra massa: -Duvido que vocês saibam o que suas mulheres tão fazendo agora! Vocês aqui me gozando e o Ricardão gozando com as mulheres de vocês!

Depois de um tempo, o apelido colou tanto nele, que as brincadeiras deixaram de ter graça e passaram a irritá-lo profundamente, ao ponto de distanciá-lo de algumas pessoas. Ele porém, continuava insistindo em sua busca pela feia perfeita e a cada semana, aparecia com uma nova. A partir de então, os amigos perderam o interesse pelas gozações, pois tornou-se natural ver o São Jorge, digo o Hermes, circulando com as suas medonhas.

Então num certo dia, ele apaixonou-se loucamente por Dite, uma morena comum, de olhos castanhos e nariz avantajado, mas com um corpo bem feito, embora pequeno. Hermes agora só queria saber de Dite e não tinha olhos prá mais ninguém. Carregava-a de cima para baixo, ao cinema, aos restaurantes, ao shopping e aos motéis. Passeavam pelas praças e ruas da cidade aos finais de semana.

A agenda telefônica lotada de namoradas foi esquecida. Tudo ia bem e o namoro já durava longos seis meses. Hermes estava tão fulminado de amor, que iria pedí-la em casamento muito em breve.

Foi aí que numa segunda-feira no centro da cidade, voltando do almoço em direção ao trabalho, Hermes sem querer viu Dite de braços dados e aos beijos com um desconhecido. Ele continuou observando o homem durante alguns minutos e percebeu que ele não era bonito. Parecia impossível que ela o estivesse trocando por um sujeito de feições mal formadas. Sua teoria parecia agora desfazer-se diante dos seus olhos, substituida por um dito popular:

Não existe mulher feia. Você é que bebeu pouco “.


domingo, 12 de dezembro de 2010

Um ano melhor


Provações e Aprendizado 
Dois mil e dez foi um ano difícil para a nossa família. Notem que já falo nele no passado, talvez como forma de abreviá-lo ao máximo. Porém, eu acredito na impermanência das coisas e como ainda faltam alguns dias para o seu final, a conclusão poderá ser melhor do que o seu curso até aqui.

Entre uma situação provocada e outras situações acidentais, as provações começaram ao terminar o mês de Janeiro. Deixei a empresa em que trabalhava por mais de de dez anos, para preparar-me para voltar a crescer profissionalmente. Decidi correr o risco aos cinquenta e dois anos e desafiar-me após tantos anos de relativa segurança na profissão, pagando o preço de ficar sem trabalho por longos meses. Estou exercitando paciência, tolerância e serenidade em seus limites.

Em Março, minha mulher sofreu um acidente doméstico e teve que submeter-se a uma cirurgia para reconstituir a função de um tendão do braço direito, que rompeu-se. Ela está agora completamente recuperada e inclusive, já voltou a praticar Ioga.

Em Julho, minha sogra adoeceu e progressivamente foi evoluindo para a invalidez e finalmente, faleceu em Setembro.

Desses acontecimentos durante o ano, o acidente sofrido pela minha mulher foi remediado pela exitosa cirurgia e pelo tratamento fisioterápico, o estado de espera pelo meu novo trabalho contém experiência e empregabilidade, aliado ao meu espírito guerreiro de luta incansável. Irremediável, somente a perda de minha sogra, cuja enfermidade foi tão avassaladora e nós, humanos comuns, totalmente incapazes de revertê-la. Aprendemos muito nesse ano que passou. Lições de autoconhecimento, de união, de solidariedade, de compaixão, do saber ouvir conselhos. Aprendizados que fortaleceram a família.
Graças a Deus, novamente invoco o estado de impermanência do Cosmos, o seu estado natural, para desejar-nos uns aos outros, um Feliz 2011!


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sucesso Espiritual


" O homem mais sábio é aquele que procura Deus. O mais bem-sucedido é aquele que O encontrou. "
(Swami Paramahansa Yogananda)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dica de leitura

Nos próximos dez  anos, as grandes mudanças, sobretudo as decorrentes dos impactos sociais da revolução da informação, serão prioridade absoluta para gerentes e executivos. As tendências que estão moldando o nosso mundo, transformando-o no que o autor chamou de a "Próxima Sociedade", são o tema de " A Administração na Próxima Sociedade ", de Peter F. Drucker, Editora Nobel, que traz novamente as análises e previsões repletas de brilho, lucidez e sabedoria do consagrado mestre da administração.


Para Drucker, o sucesso ou o fracasso das empresas não estará propriamente atrelado às mudanças econômicas, e sim às sociais, que trarão consigo os maiores desafios e as grandes oportunidades.

Boa Leitura!

sábado, 27 de novembro de 2010

Busca Interior


Já passaram-se dezesseis meses desde que iniciei as práticas de Yoga. Dentre os benefícios que realizo através dessa filosofia à cada aulaFoco no que se faz aqui e agora, auto-superação, controle das emoções, elevação da disposição e energia, atitude mental, equilíbrio emocional e respeito ao próprio ritmo, destaco dois que estão sendo fundamentais em minha vida:


Foco no que se faz aqui e agora: Fazer bem as tarefas, obrigações e trabalhos do dia-a-dia, à medida em que se apresentam. Evitar protelá-las em benefício de outras mais fáceis ou mais agradáveis. Não faça o que quer e então, poderá fazer o que preferir (Sadasiva). O futuro é construído no presente!

Equilíbrio emocional: Indispensável no auxílio à minha mulher em superar a perda de sua mãe e para aguardar o tempo que for necessário por nova oportunidade profissional, sem desânimo nem cansaço e mantendo a fé.

O autoconhecimento é buscado no momento de cada prática. Assimilo os resultados do Yoga sempre no presente, no instante da aula. É maravilhoso!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O que tem que ser feito

" Não faça o que quer e então poderá fazer o que preferir "
(Sadasiva)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Caras Palavras



Escrevo-lhes para expressar meus sentimentos
Nesse papel agora revelado
Mais um dos muitos delicados momentos
Em meu trajeto já um tanto amarelado

Em muitas ocasiões são vocês inúteis e pequenas
Para traduzir amor, sofrimento, paixão, angústia ou qualquer outra emoção
Pois estas brotam sempre as dezenas
No meu incontrolável coração

Em outras, vocês são lindas e importantes
E apresentam precisa descrição
Para as questões imparciais e distantes
Da minha gelada razão

(Centurião)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Noite Interminável

Final

São sete horas. Duas mulheres conversam na cozinha da casa, durante o café da manhã:

- Que coisa, mãe! Sonhei com o pai de novo essa noite! Ele estava sentado na praça, como sempre fazia quando perdia o sono. A diferença é que no meu sonho ele conversava com um viajante e contava ao homem a sua história de imigrante. Não estava sozinho, como o encontrávamos sempre que íamos buscá-lo, lembra?
- Minha filha, como posso esquecer? Ficava tão preocupada com o seu pai sentado naquele banco da praça por horas, as vezes até a manhã clarear. Ele pegou o hábito de ir prá lá logo depois que perdemos o restaurante, coitado. Tinha noites que não conseguia dormir por nada desse mundo. Depois que eu o trazia de volta, ele sempre me contava todas as conversas que tinha tido com as pessoas que encontrava nas madrugadas. Eu nunca vi ninguém lá quando chegava, a não ser ele. Acho que era tudo imaginação dele!
- Acho que não, mãe. Apesar de todas as dificuldades o pai se manteve equilibrado o tempo todo. Que a gente saiba, ele nunca teve problemas mentais ou qualquer distúrbio emocional. Não ia ficar por ai falando sozinho e inventando pessoas imaginárias.
- Só Deus sabe, filha. Passamos por poucas e boas! Talvez conversar sobre sua vida e sobre os negócios com gente desconhecida à noite era o seu modo de fugir dos problemas que enfrentava em silêncio durante o dia.

Nesse instante, a campainha toca e a filha corre para atender. Segundos depois, volta para a cozinha com o jornal na mão e comenta com a mãe:
- Que pavor o acidente de ontem, né? Será que deu tempo de publicar aqui informações mais detalhadas. Ouvi que cinco pessoas morreram e nove ficaram feridas.
- Nem me fala, Joana! Ontem fiquei acompanhando pelo rádio até por volta das dez da noite. Até aquela hora não tinham ainda conseguido identificar todas as vítimas e nem sabiam quantas eram, mas os feridos foram todos encaminhados ao hospital.

Aberto em cima da mesa, lia-se na capa do jornal local: “ACIDENTE NA RODOVIA PRES.EPITÁCIO-SÃO PAULO MATA SEIS“
Ontem a tarde, próximo das dezoito horas e trinta minutos, um ônibus que fazia regularmente a rota na rodovia, caiu em um precipício ao tentar vencer uma curva muito fechada ao chegar na entrada da nossa cidade. A queda foi de sessenta metros e a parte dianteira do ônibus ficou totalmente destruida. O ônibus levava vinte e dois passageiros. Seis pessoas não resistiram, entre elas o motorista do veículo. Outras oito ficaram feridas, sendo que sete delas foram encaminhadas à emergência do Hospital Geral. Não se sabe ainda do estado dos passageiros. Um deles, um homem, sofreu apenas ferimentos leves nos braços e horas depois, forneceu-nos um relato emocionado da tragédia(ver quadro abaixo).
Em seguida da foto no local do acidente, o jornal informava a lista dos hospitalizados e depois, a relação das vítimas fatais e entre elas constava:
João Doni, 45 anos, natural de São Paulo, Supervisor de Vendas da Indústria Têxtil Brasileira. Viajava para Presidente Epitácio à trabalho, segundo informações da empresa.



quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sobre Governo/ Tirania/ Exclusão Social/ Violência


Se o povo está com fome, é porque os seus governantes lhes aplicam muitos impostos.
Esta é a razão pela qual padecem de fome.
Se o povo é difícil de governar, é porque os governantes se intrometem em suas vidas.
Esta é a razão pela qual estão descontentes.
Se o povo não tem medo da morte, é porque os governantes têm-lhe tornado a vida muito dura.
Esta é a razão pela qual desprezam o seu viver.
Só aqueles para quem a vida não tem sido demasiadamente dura conseguem apreciá-la.

( Lao Tse, no Livro do Te, versículo LXXV, escrito no século IV a.C. )

domingo, 7 de novembro de 2010

A Noite Interminável

Parte X

Quando João retorna ao banco, o velho não está lá. A primeira coisa que pensa é que ele deve ter ido ao sanitário novamente. Então espera alguns minutos, contando com sua volta. Passam-se quinze minutos e nada. Começa então a admitir que Manoel tenha mesmo ido embora e fica chateado que não tenham se despedido.

Daqui a mais uma hora, já estará se encaminhando para a pensão da tal D. Matilde. Imagina um banho quente, barba feita, roupas limpas e passadas e uma cama confortável, embora saiba que o dia será uma eternidade, assim como foi a madrugada. Dormir está distante pelo menos umas quinze horas. Puxa a mala e a valise debaixo do banco e as coloca em frente aos seus pés, na ansiosa preparação para dar o fora dali. Fixa o olhar no ponto de táxi vazio. O pensamento de que não tenha um carro disponível bem cedo lhe aterroriza, pois quem naquela cidadezinha poderia precisar de um táxi ao amanhecer? Seu medo é justificado pela impossibilidade de caminhar com toda aquela bagagem, ainda mais depois da noite insone e cansativa que enfrentou.

Conforme se aproxima das seis e meia da manhã, mais aumenta sua impaciência. Estica as pernas por cima da mala e abotoa o paletó, pois está frio. Torna a pensar no porquê do velho ter ido embora sem se despedir e fica muito irritado. Depois, consola-se pelo fato de ser ele apenas mais um estranho que cruzou sua vida circunstancialmente. Apenas passaram o tempo juntos e sua conversa foi uma distração, nada mais do que isso. Mesmo assim, detesta a sensação de rompimento, de inconclusão. Prefere sempre terminar o que começou.

Finalmente chega a hora, mas como ele temia, não há nenhum carro no ponto. Levanta, dá uma longa espreguiçada e espera.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dica de leitura

Olá Pessoal,

Indico dessa vez um livro espetacular, "Autobiografia de um Iogue ", de Paramahansa Yogananda, Editora Self-Realization Fellowship

Aclamado como um dos cem melhores livros espirituais do século XX, o extraordinário relato da vida de Paramahansa Yogananda levará você  a uma exploração inesquecível do mundo dos santos e iogues, da ciência e dos milagres, da morte e da ressurreição. Um livro capaz de mudar a vida, abrindo nossos corações e mentes para a alegria, a beleza e os potenciais espirituais ilimitados, intrínsecos as vidas de todos os seres humanos.
Boa leitura!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Lembranças

Acordei hoje com a lembrança de minha avó, Nicota, me dizendo que eu tinha que fazer concurso para o Banco do Brasil ou então, seguir a carreira militar. Isso foi lá pelos anos setenta, quando eu era pré-adolescente. Ela dizia e repetia isso várias vezes, como um mantra, uma ladainha. Naquele tempo e bem antes dele, funcionários do Banco e militares estariam com a vida ganha, segundo ela. Era garantia de uma boa vida e de um  futuro confortável. É claro, que como faziam os rebeldes daquela época, não segui seu conselho. Aliás, nenhum dos seus netos seguiu! Hoje temos na família, administradores, economista, engenheiro, vendedores, arquiteto, desenhista, comerciantes e até tenista profissional, imaginem!   
Mas isso importa muito pouco, pois na verdade ela queria mesmo era o "nosso bem". Ser militar ou funcionário do BB era uma espécie de senha, de código cifrado, que traduzido seria mais ou menos assim:
- Meu filhinho, seja o que tu quiseres que eu sempre te apoiarei e te amarei! 

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Noite Interminável

Parte IX

Apesar de não ver mal algum em contar ao idoso, João nunca se sente confortável em relatar fatos de sua vida privada à outras pessoas. Nem tanto por não ter em quem confiar, mas por achá-la desinteressante e sem importância. Sempre que pode, foge do assunto. Agora desvia, fazendo mais perguntas à Manoel:

- E a sua família, sua mãe e irmã? o senhor casou, teve filhos?

- Mamãe morreu em 1996 aos oitenta anos. Teve um derrame e ficou inválida por seis meses. Foi um período muito difícil para nós. Cuidar do negócio e da mãe doente exigiu-nos uma força de vontade extraordinária. Minha irmã, sete anos mais jovem do que eu, desistiu do sonho de ser dentista e formou-se nutricionista. Ninguém forçou sua decisão, mas acho que ela acabou pegando gosto pela coisa de restaurante e isso veio a calhar. Deixei o restaurante prá ela tocar e além disso, trabalha em seu próprio consultório particular. Está indo muito bem! Quanto a mim casei-me maduro, aos trinta e oito anos, com uma paulista daqui da cidade chamada Maria Aparecida. Ela era muito jovem e bonita, vinte e dois anos, por isso levei muito tempo para convencer seus pais da minha seriedade de propósitos. Por fim aceitaram, mas a população inteira comentou durante anos a diferença de idade, a situação do casamento, até que todos cansaram ao ver que estava dando certo. Cidade pequena é assim mesmo, né? Após um ano de união, tivemos uma filha, Joana. Ficou nisso a família, Deus não nos permitiu outra graça!

- E você, que ainda aparenta jovialidade, por que não se casou?, devolve Manoel.

- Acho que não apareceu a pessoa certa. Quando eu era adolescente namorei várias meninas, sem muito compromisso. Depois de adulto, tive outras aventuras sem significado. De repente, parei de procurar. Sempre fui envolvido demais com o trabalho e ainda por cima tenho a minha mãe para cuidar até hoje, responde João com certo desânimo.

O velho interrompe com ar filosófico: - Nunca é tarde para amar. Ainda é tempo de ser feliz, meu filho! Veja o meu caso. Eu era só um pouco mais moço que você quando casei e deu tudo certo. Fui pai com quase quarenta anos.

- Acho que não vai dar mais, reforça João, fazendo uma longa pausa na tentativa de encerrar a conversa. Espreguiça-se demoradamente no banco e depois põe-se de pé. Sem falar mais nada, passa a caminhar em volta da praça. Agora já está mais claro e ela vai tomando cores. Os gramados no seu entorno estão molhados de orvalho. Dá prá ver os canteiros floridos, bem cuidados e as àrvores têm plaquinhas com seus nomes escritos. O colorido dos brinquedos se distingue em meio ao areal. João anda até o coreto, que é redondo e tem duas entradas opostas com dois degraus em cada uma delas. Ele sobe e dali, contempla o centro da cidade ao seu redor. São cinco e meia da manhã.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Fazer o bem sem olhar a quem é a virtude desprovida da bondade.
(Centurião)

sábado, 23 de outubro de 2010

A herança dos valores


Outro dia estávamos eu e minha mulher sentados à mesa do jantar, lembrando sobre os trinta dias da morte da minha sogra. Muito emocionada, ela contou-me uma passagem de sua infância, quando tinha uns dez anos de idade, por ai.

No Natal daquele ano, sua mãe lhe presenteou com uma boneca - muito pequena, cujo tamanho talvez não alcançasse nem dez centímetros, mas com longos cabelos que iam até quase os seus pés – e teria comentado algo assim: - Esse ano o Papai Noel só pode te trazer uma destas! E lá se foi minha mulher, toda feliz com sua bonequinha sem grife, cuja longa cabeleira era penteada a todo instante, companheira inseparável debaixo do travesseiro nas noites de sono e de sonhos infantis. É bem provável que naquele instante ela nem tenha se dado conta sobre o ensinamento que estava recebendo, só importando que o valor intrínseco de sua nova amiguinha era igual a de uma Suzi, boneca mais cobiçada pelas meninas daquela época.

Mais de Quarenta anos depois, essa história, contada por ela com lágrimas nos olhos é a prova mais espetacular da herança deixada pela sua mãe, a de valorizar a vida como ela se apresenta a cada momento. Hoje ela sabe que naquela pequena boneca estavam contidos os enormes valores do amor incondicional, do sacrifício material e da serena felicidade em fazer uma filha feliz. E eu, também com os olhos marejados, fiquei com mais certeza ainda da perpetuação desses e de outros valores fundamentais à vida de nossos descendentes.

sábado, 16 de outubro de 2010

A Noite Interminável


Parte VIII

Manoel limpa a garganta, depois de um longo suspiro: - Infelizmente meu filho, o dinheiro não têm alma! As fábricas foram deixando a cidade. Uma soma de fatores levaram os calçadistas à estabelecer-se em Franca. Políticos inoperantes, Guerra fiscal pelas empresas entre os municípios, adoção do modelo exportador de calçados pelo governo federal, menor distância até o porto de Santos, mão-de-obra mais qualificada e fácil de captar e maior população foram determinantes. No início dos anos oitenta só duas indústrias permaneceram. O contingente de trabalhadores caiu para mil e quinhentos e hoje, não chega à mil em ambas. Podes imaginar como a cidade decaiu depois disso? Foi uma tristeza só.

- Posso apenas ter uma vaga idéia do desastre que deve ter sido. Só quem sente na própria carne um infortúnio como esse pode realmente saber como é, responde João, em tom solidário.

- Tive que me adaptar para sobreviver, rebate o velho. Encolhi o negócio: mudei para um local com metade da área anterior, demiti empregados, me desfiz de bens particulares, terrenos, automóvel, casa na praia. Fui morar numa casa modesta e por aí foi por uns cinco anos, até que pude estabilizar a vida novamente. Voltar a estaca zero, como se diz! Mas isso já faz muito tempo. São àguas passadas!

João olha para Manoel sem dizer nada. Permanece calado por um longo tempo, como que digerindo a narração da história. Consulta o relógio novamente. São quatro e meia. Apesar de ainda estar escuro, o dia já ameaça despontar. O cantar precoce de um galo o anuncia.

Depois de minutos que parecem horas, o idoso quebra o silêncio: - E você filho, como foi parar na indústria de confecções?

- Depois que deixei a empresa de consórcios, já tinha alguma experiência com vendas. Certo dia ao folhear as páginas dos classificados de um jornal, respondi ao anúncio de promotor de vendas de roupas. Não foi muito difícil conseguir a vaga e depois de vinte anos na empresa, promovido para vendedor e depois para supervisor, cá estou hoje! Minha vida têm sido rodar pelo interior do Estado com uma equipe de oito vendedores, cada um com um roteiro diferente.

- Você pretende ficar quanto tempo aqui?, indaga de novo Manoel. E prá onde vai depois?

João olha prá cima, cruza os braços e fica um bom tempo contemplando o céu, antes de responder. Depois, torna a olhar para o velho e fala:

- Estranho sabe, não tenho rumo certo dessa vez. Amanhã, antes de ir embora, terei que telefonar para a fábrica para confirmar o próximo lugar. Talvez até me mandem voltar para casa!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

ESPETACULAR!


Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Renúncia

Diálogo entre um estudante e o mestre Bhaduri Mahasaya:



- Mestre, o senhor é maravilhoso! Renunciou às riquezas e ao conforto para buscar Deus e nos ensinar a sabedoria!
- Você está invertendo as coisas! Deixei algumas rúpias desprezíveis, alguns prazeres mesquinhos, em troca de um império cósmico de bem-aventurança interminável. Como dizem, então, que neguei tudo a mim mesmo? Conheço a alegria de partilhar o tesouro. Chamam a isto sacrifício? As multidões míopes do mundo é que são as verdadeiras renuciantes! Renegaram a posse de um bem divino sem paralelo, por um mísero punhado de brinquedos terrestres!  

(Do livro Autobiografia de um Iogue, de Paramahansa Yogananda, Cap.7-pag.72)

Dica de leitura

Olá, Pessoal,
Dessa vez minha dica de leitura é " A Assustadora História da Medicina ", de Richard Gordon, Ediouro, um livro muito divertido, curioso e informativo. O autor conta a história da medicina através de seus principais personagens e até de pacientes famosos. Segundo ele, é uma longa substituição da ignorância pela falácia. Richard Gordon nunca fez a medicina parecer tão desajeitada e tão engraçada.



terça-feira, 28 de setembro de 2010

A Noite Interminável

Parte VII
Na volta, João decide contornar a praça em sentido contrário, pelo trajeto mais longo, afim de fazer passar mais alguns minutos da interminável madrugada. Olha o relógio novamente. São três horas e trinta e cinco minutos. Entre os canteiros de plantas e flores, existem dois bustos de bronze, provavelmente de cidadãos eméritos da cidade. Mais adiante, há brinquedos: balanços, escorregador e gangorra. No centro, há muitas àrvores frondosas e um antigo coreto todo de ferro trabalhado, com detalhes no telhado.
O retorno ao banco leva apenas cinco minutos. João dá uma longa espreguiçada, antes de sentar-se.
 Manoel volta a falar com ele, retomando a sua história:

- Sabe filho, que eu resolvi aproveitar uma situação econômica favorável para mudar-me da capital para cá? Essa cidade prometia ser um grande pólo calçadista no início dos anos setenta. Instaram-se mais de dez grandes fábricas de renome nacional. A cidade quase dobrou de tamanho, chegando a ter cinquenta mil habitantes naquela época. Pensei que aqui, meu negócio poderia crescer junto com as indústrias do calçado e passei adiante o ponto em São Paulo, no começo de 1972. Com as economias acumuladas em quase dez anos, aluguei um prédio térreo bastante espaçoso para servir mais de mil refeições por dia. Era uma meta ambiciosa. Quase triplicar o número de refeições servidas por dia. Trouxe comigo cinco funcionários e contratei mais quinze daqui mesmo.
- O senhor devia mesmo saber onde queria chegar. Mas, por que mil refeições?, indagou João.
- É que naquele tempo as indústrias instaladas aqui já contavam com refeitórios próprios para servir os seus trabalhadores. Eram ao todo uns dezoito, vinte mil funcionários, porém uma parcela entre cinco à dez por cento deles não tinham direito ao benefício, por várias razões. Além disso, havia os empregados do comércio local e os moradores em geral. Então, calculei que mil era só o começo e bem poderia dobrar essa quantidade em alguns meses.
- E deu certo?, interrompeu João novamente.

- Foi um sucesso! Fiquei surpreso com os bons resultados em tão pouco tempo. Guardo os cadernos até hoje, responde o velho. E com um orgulho indisfarçavel, pos-se a contar: no primeiro mês, preparamos em média oitocentas refeições diárias. No segundo mês, novecentas. No terceiro, mil e cem almoços. No sexto mês de funcionamento, mil e trezentos. Após o primeiro ano, já servíamos mil e quinhentas refeições todos os dias. Esse número manteve-se estável por mais uns dois anos, até 1976, que eu me lembre. Depois começou a cair e não parou mais.

Apesar da sensação de ter areia nos olhos, João está atento à história do idoso. Dá mais uma olhada no relógio e vê que são quatro horas. Uma sensação de alegria lhe invade, talvez por estar se aproximando a manhã tão esperada e ele pergunta curioso: - Mas o que aconteceu então, por que diminuiu?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Fonte da Juventude


Uma pessoa permanece jovem na medida em que ainda é capaz de aprender, adquirir novos hábitos e tolerar contradições.
( Marie von Ebner-Eschenbach ) 

domingo, 19 de setembro de 2010

Dica de leitura

Bom dia, Pessoal:
Hoje minha de leitura dica é...


" O que se passa na cabeça dos cachorros ", de Malcom Gladwell, Editora Sextante
Neste livro, o autor investiga as razões por trás de enigmas e mistérios, como por que John Kennedy Jr. perdeu o controle de seu jatinho, como o governo Bush foi induzido a acreditar que Saddam Hussein escondia armas de destruição em massa ou por que é certo que ocorram outros acidentes espaciais graves como o do Challenger. O mexicano César Millan, apresentador do programa O encantador de cães, é o destaque do artigo que dá nome ao livro. Além de estudar casos célebres, Gladwell também nos surpreende ao dissecar situações envolvendo pessoas que não são famosas ou poderosas, como as redatoras de comerciais da L'Oreal e da Clairol que mudaram a história da mulher no século XX e o investidor que fez fortuna apostando na inevitabilidade do desastre. 

Boa leitura!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Busca Incansável

Para conseguir um novo ( _ _ _ _ _ _ _ _ ) é preciso ter:

                                               Tolerância
                                                Resistência
                                            PAciência
                                           ABertura
                                           CAlma
                                            ALiados
                                           CHances
                                           POupança 
(Centurião)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Véspera de Feriado no Super



Quinta-feira, dezoito horas, está chovendo e eu entro no supermercado. Eu e parece, mais um milhão de pessoas! É só véspera de feriado, mas pelo visto, o mundo vai acabar amanhã. Gente apressada sai com os carrinhos abarrotados.
Percorro o primeiro corredor e deparo-me com a cena de uma menina chorando. Chorando não, berrando e sapateando com um saco de balas na mão. A mãe devolve o produto para a prateleira e impaciente, agarra sua mão e a retira dali.
No corredor dos biscoitos, vejo dois anjinhos que abrem pacotes e se fartam, sob o olhar de um pai que não está nem aí para o fato. Um gordinho degusta torradinhas com manteiga que uma demonstradora oferece. Um guri dirige outro carrinho direto no calcanhar de uma senhora, que salta de dor. Não deveria ser proibido trazer crianças ao supermercado?
Chego ao balcão das carnes. Bem, quase... pois à sua frente as pessoas formam uma parede compacta parecendo um grande enxame de abelhas. Quando enfim consigo me aproximar, adeus churrasco! Entre as embalagens reviradas nas prateleiras sobraram apenas algumas, de guisado, coxão mole e patinho. Consolado pelo macarrão com carne assada no feriadão, sigo em frente. A uns metros dalí, vejo o mesmo gordinho numa fila para provar escalopes de filé com molho de mostarda.
Pergunto ao um funcionário que vai passando onde fica a seção dos enlatados. Ele responde que fica no corredor trinta e cinco. Estou no dez. Olho à frente aquele mar de pessoas empurrando carrinhos e empurrando-se. Desistir passa-me pela cabeça rapidamente, mas continuo. Muitos minutos depois, chego aos enlatados. Despejo latas de ervilha, milho, chucrute e pepino no carrinho. Uma senhora idosa pede para que eu lhe alcance uma lata de ervilhas, de determinada marca, que está na última estante. Dou um pulinho, pego a lata e entrego à ela, que diz em seguida: - Meu filho, essa marca é muito cara! Essa gente tá maluca, não vou levar! E vai embora sem ao menos agradecer.
Paro na fila da padaria e depois, na dos frios. Filas imensas e paciência mínima. Olho para o lado e lá está o gordinho noutra fila de degustação. Desta vez estão oferecendo cubinhos de queijo à milaneza. Penso - Pô, esse gordinho comeria até avião incendiando, se lhe oferecessem – e solto uma risada! Algumas pessoas me olham como se eu fosse um louco.
Em seguida rumo ao setor dos hortifrutigranjeiros. Lá chegando, observo centenas de mãos agarrando, apalpando e apertando todo o tipo de frutas e verduras. Parece final de feira, manjam? Restaram tomates esmagados e molengas, batatas azuladas, cenouras murchas, maçãs batidas e outros produtos acidentados. Levo laranjas e também cebolas, que não demonstram ter sofrido.

Quarenta e cinco minutos depois entro na fila do caixa. A chance de ser o primeiro é de uma em um milhão. Sou o último, por enquanto. Olho para os lados e todas as outras são gigantescas e trancam os cruzamentos, dificultando a passagem e causando a maior confusão. Percebo que aparentemente os últimos três caixas tem uma fila menor. Saio do lugar onde estou e caminho para lá. São uns cem metros de agonia, com licença e abre alas. Enfim chego e me dou conta que não fui muito esperto. É uma daquelas caixas especiais que aceitam pagamento de faturas. Ainda há quatro pessoas na minha frente e o cara antes de mim resolveu pagar todas as contas da casa hoje!
Mais trinta minutos de espera e finalmente pagarei as compras. A operadora vai registrando tudo e de repente, constata que o saco de cebolas não foi pesado e consequentemente não tem etiqueta. Ela toca uma campainha e espera a chegada de um rapaz, que terá que ir até o setor para pesar a mercadoria. Olho para o vazio, pois atrás de mim sinto que os outros querem me matar. Depois de eternos cinco minutos, o rapaz retorna. Pago tudo e saio daquele ambiente, aliviado. O último desafio é encontrar meu carro no estacionamento, que àquela hora da noite é uma selva de automóveis pardos. Finalmente o encontro, coloco as compras no porta-malas e sumo dalí. Cansado, calculo que minha odisséia levou o mesmo tempo que uma partida de futebol inteira ou uma viagem de avião de Porto Alegre a  São Paulo.

Ao abrir a porta de casa, minha mulher está sentada no sofá vendo televisão, mal me olha e já reclama: - Puxa, amor! Todo esse tempo prá trazer essa listinha que eu te dei?

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A Noite Interminável


VI

A temperatura agora é muito baixa em relação aos trinta e dois graus da tarde anterior. João puxa a mala e abre-a, tirando dela um agasalho. Torna a olhar vagamente na direção do sanitário, aguardando o retorno do idoso. Começa a imaginar como alguém jovem, saudável e empreendedor transforma-se assim, ao longo de algumas décadas. Por um instante, aterroriza-se com a sua própria transformação. Há quase vinte anos cumpre a mesma rotina, da fábrica para casa, entre as viagens às cidades do interior da região sudeste do Brasil e vice-versa. Sua vida privada tem sido de acomodação e passividade. Não constituiu família e tampouco adquiriu bens. Dá um grande suspiro enquanto avista o velho voltando.

Manoel senta-se novamente e permanece calado por alguns minutos parecendo que perdeu o ritmo da conversa anterior. Olha em volta da praça e para o céu várias vezes. João também observa o silêncio. Depois de algum tempo o velho volta a olhá-lo e fala:
- Filho, gostaria de me desculpar, pois fiquei pensando se você não está entediado com esse meu assunto. Só falei de mim o tempo todo. Fique a vontade para contar-me um pouco de sua vida também, se quiser.

João avalia que não há mal em abrir-se ao idoso, pois daqui há quatro horas, provavelmente nunca mais irá vê-lo novamente. Além disso, esticar a conversa fará o tempo passar mais rápido até o amanhecer.
- Não há muita aventura na minha vida. Tive uma infância pobre, mas feliz. Meu pai, já falecido, era escrivão da polícia em São Paulo e minha mãe era costureira. Tiveram dois filhos, meu irmão mais velho, Jorge, e eu. Ela tem agora 68 anos e não trabalha mais. Aos 16 anos tive que começar a trabalhar como office-boy num banco, para ajudar em casa. Só conclui o segundo grau e não pude fazer faculdade particular, pois não tinha dinheiro e a faculdade pública ficou inviável, pois era de turno integral. Apesar do pouco estudo, fui promovido à escriturário e depois, à operador de caixa. Fiquei no banco por sete anos.

- Um bom tempo para o primeiro emprego, visto que você era um menino quando entrou, comentou o velho.

- Creio que eu poderia ter ficado por muito mais tempo lá, pois havia uma certa estabilidade no cargo e além disso, o banco tinha a política de formar seus profissionais e retê-los por longos períodos, continuou João. Foi então que um amigo de infância convenceu-me à ingressar no ramo de vendas, mais precisamente de consórcios de equipamentos eletro-eletrônicos e de móveis de linha branca, atividade que estava apenas iniciando no país naquela época. Durei pouco no ramo, cerca de dois anos, decepcionado com os resultados.

- Sei como é, afirma Manoel, com um olhar de empatia.

Mais trinta minutos se passaram e João interrompe o relato. O cansaço e o tédio revelam-se em um longo bocejo. Agora é ele que precisa ir ao banheiro. Levanta e dirige-se para o sanitário.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Dica de leitura

Bom dia, Pessoal:
Recomendo à vocês a leitura da obra


" Sobre a Brevidade da Vida ", de Sêneca, Editora L&PM
Livro mais difundido do filósofo Lúcio Anneo Sêneca (4 a.C.? - 65 d.C.) e um dos textos mais conhecidos de toda a antiguidade latina, são cartas dirigidas a Paulino, cuja identidade é controversa. Nelas o sábio discorre sobre a natureza finita da vida humana e desenvolve temas como aprendizagem, amizade, livros e morte, além de apresentar maneiras de prolongar a vida e livrá-la de futilidades que a perturbam.

Boa leitura!

domingo, 5 de setembro de 2010

Pensando diferente

" O contrario de ver para crer é acreditar para rever."
(Centurião)

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O julgamento

João acordou atrasado naquela manhã. Encarou sobressaltado o despertador que não tocou. Eram oito e trinta. Vestiu-se apressadamente. Não tomou banho e nem café como era hábito. Despediu-se da mulher e quinze minutos depois já estava no carro, à caminho do trabalho. Tinha uma reunião importante às nove horas com os diretores da empresa a fim de demonstrar o resultado mensal de seu departamento.
Eram nove e cinco quando chegou em sua sala. Mesmo atrasado tinha feito o percurso em tempo recorde. Só apanhou uma cópia do relatório de cima de sua mesa e voou para a sala de reuniões. No corredor foi abordado pela faxineira, dona Vilma, que lhe perguntou: - Bom dia, doutor João. Posso limpar sua sala agora?
- Sim, volto as onze horas, ele respondeu.
Em seguida entrou na grande sala e desculpou-se com os diretores pelo atraso. Iniciou então a apresentação, que transcorreu da melhor forma possível e dentro do prazo combinado. Na volta entrou em sua sala e atirou-se na cadeira. Estava extenuado, aliviado e feliz. Ligou para o bar em frente ao escritório e pediu um refrigerante. Precisava de muito açúcar.
Cinco minutos depois, a secretária abriu a porta e lhe entregou a bebida. Ao fazer menção de pagar, deu por falta de sua carteira. Apalpou seus bolsos: primeiro os da calça, depois os do paletó e por último o da camisa. Olhou nas gavetas e no entorno da mesa. Também verificou o armário e todo o chão da sala. Nada!
Pediu à secretária que pagasse e ligou para casa:
- Margarete, minha carteira sumiu! Veja se ficou aí em casa, tá? Me liga em seguida?
Alguns minutos depois, a mulher retorna:
- Olha, virei a casa de cabeça pra baixo e nada! Dá mais uma olhada aí no trabalho!

João pensou muito no que podia ter acontecido. Pensou, pensou e então... lembrou da faxineira ter estado em sua sala. Ele sempre desconfiara da dona Vilma.Aquele jeitão quieto dela, quase sorrateiro. E o fato dela ser pobre, sabe... a ocasião faz o ladrão! Passou o resto do dia elaborando um modo de abordá-la, sem que isso pudesse parecer uma acusação. Finalmente foi embora, pois já passava das sete da noite.
Eram vinte horas quando estacionou o carro no jardim de casa. Estava bem escuro e as luzes estavam acesas desde o entardecer. Ao descer do carro notou um pequeno objeto escuro caído na passagem que separa a casa do portão, entre dois canteiros de flores. Aproximou-se e reconheceu sua carteira. Na pressa da manhã ele a tinha deixado cair.
No dia seguinte no escritório, do interior de sua sala envidraçada observou demoradamente dona Vilma trabalhando.Aquele jeitão quieto dela, quase sorrateiro, só podia ser timidez. Afinal, embora pobre, ela era honesta e digna de trabalhar ali por tantos anos.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A Noite Interminável


Parte V

- Passei meses tentando juntar a papelada necessária e deparei-me com uma burocracia sem fim, ainda mais para um estrangeiro recém-chegado. A documentação cadastral de minha firma junto ao fisco português tinha sido solicitada pela junta comercial de São Paulo e eu não estava conseguindo retorno das certidões ao Brasil, embora tenha apelado para vários compatriotas interceder em Portugal. Após mais de oito meses de tentativas, consultei um advogado especializado em direito comercial, que me aconselhou a estabelecer um negócio mais simples de se constituir. Após algum tempo estabelecido em atividade comercial simples, segundo ele, eu poderia então migrar meu negócio para outro mais importante com maior facilidade. Julguei que o seu conselho fazia sentido.

João consulta o relógio. São duas e vinte. Olha para cima e vê poucas estrelas numa pequena nesga de claridade entre as camadas de nuvens densas e, comenta:
- Devem ser lindas as noites aqui quando o céu está claro!

O velho retruca com ares de sabedoria:
- Você sabia que essas estrelas que aparecem brilhantes já estão mortas há tempos? Estão tão distantes de nós, que as explosões que as mataram há anos são o brilho que vemos agora.

- Procuro não pensar assim, respondeu João. Só me encantam sua luz e seu brilho, que compõem com o luar, a beleza das noites.

Manoel pigarreia e volta a retomar o seu relato.
- Foi então o que fiz. Abri um restaurante. Restaurante Saúde era seu nome. Destinava-se a servir almoço para o pessoal que trabalhava nos escritórios e nas lojas comerciais do centro da cidade. Gente assalariada, da classe remediada, como se dizia na época. Minha mãe e irmã passaram a auxiliar-me nas tarefas, ficando com a administração da cozinha e do cardápio, enquanto eu fazia as compras, calculava os custos e geria as finanças. O negócio teve um sucesso relativo e após o nono ano de atividade, cheguei a servir mais de quatrocentas refeições por dia e comandava catorze empregados. Porém, eu era somente mais um proprietário de restaurante no centro de São Paulo. Ainda era jovem aos trinta e seis anos e ambicionava algo mais. É agora que começarei a responder sua segunda pergunta meu rapaz, como vim parar aqui. Mas antes, preciso me aliviar.

João observa o velho levantar-se do banco devagar e caminhar em passos lentos em direção ao minúsculo sanitário, do lado oposto onde estão. São uns trezentos metros até lá. Constata que ainda são duas e quarenta da madrugada.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Dica de leitura

Olá Pessoal, tudo bem?
Estou sugerindo prá vocês a leitura do livro:

"Espelhos", de Eduardo Galeano, Editora L&PM

Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?
Este livro foi escrito para que eles não se percam.


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Conversa Impossível

A filha dialoga com a mãe, num dia qualquer:
- Oi, mãe! Já paguei o condomínio, molhei as plantas e a tua violetinha está ótima!
- Que bom! Estava preocupada, diz a mãe. Como vai a Priscila? Já se mudou? E o Kiko, vai bem?
- A Priscila está morando naquele prédio quase ao lado da Igreja São João, na Benjamin, pertinho da Teda. O Kiko está estudando muito e não sai daquele computador dele, responde a filha.
A mãe balança a cabeça afirmativamente e pergunta ainda:
- E o Zé, já está trabalhando?
- Ainda não, mãe. Ele está batalhando, mas estou preocupada porque faz alguns meses. Está mais difícil do que ele pensava. Rezo todo dia!

A filha fala com a mãe, num dia qualquer:
- Oi, mãe! Já paguei o condomínio, molhei as plantas e a tua violetinha está ótima!
A paciente idosa quase não se move na cama. A doutora Renata levanta-lhe uma das pálpebras e fala: - Dona Lygia, que olho verde bonito que a senhora tem! 
- Doutora, será que ela entende? Será que ela ainda está aqui?, pergunta a filha, dirigindo-se à médica.
- Não há como saber, fala a profissional. Mas temos que seguir conversando normalmente como se ela estivesse compreendendo.
Finalizado o horário de visita,  Márcia, a filha, deixa o Hospital em mais um dia desesperançoso. Não há duas versões. Não existe escolha.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Consciência Planetária

" É praticamente tranquilo que a humanidade se federalize, torne-se una, sem deixar de ser diversa... É não somente razoável, mas vital que isso aconteça: o perigo mortal a todos os seres humanos que procede dos enfrentamentos entre impérios e potestades nos leva a conceber uma federação de humanidade que, englobando os Estados-nação, respeitando sua originalidade e sua singularidade, subtrair-lhes-ia a onipotência, ao freà-los, ao regulá-los."
(Edgar Morin, em Para onde vai o mundo?, pág.38, Editora Vozes)