sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A Noite Interminável


Parte V

- Passei meses tentando juntar a papelada necessária e deparei-me com uma burocracia sem fim, ainda mais para um estrangeiro recém-chegado. A documentação cadastral de minha firma junto ao fisco português tinha sido solicitada pela junta comercial de São Paulo e eu não estava conseguindo retorno das certidões ao Brasil, embora tenha apelado para vários compatriotas interceder em Portugal. Após mais de oito meses de tentativas, consultei um advogado especializado em direito comercial, que me aconselhou a estabelecer um negócio mais simples de se constituir. Após algum tempo estabelecido em atividade comercial simples, segundo ele, eu poderia então migrar meu negócio para outro mais importante com maior facilidade. Julguei que o seu conselho fazia sentido.

João consulta o relógio. São duas e vinte. Olha para cima e vê poucas estrelas numa pequena nesga de claridade entre as camadas de nuvens densas e, comenta:
- Devem ser lindas as noites aqui quando o céu está claro!

O velho retruca com ares de sabedoria:
- Você sabia que essas estrelas que aparecem brilhantes já estão mortas há tempos? Estão tão distantes de nós, que as explosões que as mataram há anos são o brilho que vemos agora.

- Procuro não pensar assim, respondeu João. Só me encantam sua luz e seu brilho, que compõem com o luar, a beleza das noites.

Manoel pigarreia e volta a retomar o seu relato.
- Foi então o que fiz. Abri um restaurante. Restaurante Saúde era seu nome. Destinava-se a servir almoço para o pessoal que trabalhava nos escritórios e nas lojas comerciais do centro da cidade. Gente assalariada, da classe remediada, como se dizia na época. Minha mãe e irmã passaram a auxiliar-me nas tarefas, ficando com a administração da cozinha e do cardápio, enquanto eu fazia as compras, calculava os custos e geria as finanças. O negócio teve um sucesso relativo e após o nono ano de atividade, cheguei a servir mais de quatrocentas refeições por dia e comandava catorze empregados. Porém, eu era somente mais um proprietário de restaurante no centro de São Paulo. Ainda era jovem aos trinta e seis anos e ambicionava algo mais. É agora que começarei a responder sua segunda pergunta meu rapaz, como vim parar aqui. Mas antes, preciso me aliviar.

João observa o velho levantar-se do banco devagar e caminhar em passos lentos em direção ao minúsculo sanitário, do lado oposto onde estão. São uns trezentos metros até lá. Constata que ainda são duas e quarenta da madrugada.

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