quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Noite Interminável

Parte IV

O velho sente voltar à calma no semblante de João e então, se apresenta:
- Eu sou o Manoel Pereira. Sou português de nascimento, mas adotei essa cidade há mais de quarenta anos. Vivo há quase cinqüenta anos no Brasil e apesar de não ter me naturalizado, considero-me também brasileiro, afirma sem falsa modéstia.
João retribui a apresentação e pergunta:
- O que o fez sair da Europa e mudar-se para o Brasil? E como é que o senhor veio parar aqui nessa cidadezinha?

Manoel esboça um sorriso, como se já esperasse a pergunta para poder engatar sua longa história. Limpa a garganta e inicia a resposta:
- Meu pai era oficial do exército português em 1961 quando então foi convocado a lutar nas guerras do Ultramar. O regime de Salazar não queria descolonizar as províncias africanas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, o que provocou o conflito entre as tropas portuguesas e as forças do movimento de libertação das províncias ultramarinas. Tendo sido ferido gravemente em combate em 1962, faleceu no mesmo ano. Nossa família tinha uma vida confortável na época. Minha mãe cuidava dos afazeres da casa, minha irmã era estudante prestes a ingressar na faculdade de Odontologia e eu, aos vinte e sete anos, era atacadista do comércio de carnes e embutidos. Com tantos oficiais contrários a política de descolonização, temíamos uma guerra civil. A decisão de vender o negócio, juntar as economias e deixar o País foi muito difícil, pois implicava em abandonar nossas conquistas, adiar nossos sonhos e deixar nossa terra, mas entendíamos ser a mais segura e necessária. Em Fevereiro de 1963 desembarcamos em São Paulo.

João o interrompe para oferecer um copo de água mineral que sobrara do início da noite. Vê as horas. São duas e cinco. O velho recusa delicadamente e continua o relato:
- Mesmo tendo trazido uma soma importante de dinheiro, estranhamos o custo de vida elevado no Brasil. Alugamos um apartamento confortável na região central da cidade. Foram muitos meses de adaptação aos costumes e a economia brasileiros, até que me encorajei a abrir uma firma de representação de conservas e alimentos enlatados. Eu era comerciante e acreditava não importar o produto e sim, a forma de comercializá-lo.

João, com uma expressão entediada, interrompe novamente o ancião, tentando apressar o término da história:
- Sim, mas eu ainda não entendi como é que o senhor acabou vindo morar aqui no interior.
Manoel, com muita paciência e sem lhe responder, volta a descrever os fatos.

(Continua...)

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