quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A Noite Interminável


VI

A temperatura agora é muito baixa em relação aos trinta e dois graus da tarde anterior. João puxa a mala e abre-a, tirando dela um agasalho. Torna a olhar vagamente na direção do sanitário, aguardando o retorno do idoso. Começa a imaginar como alguém jovem, saudável e empreendedor transforma-se assim, ao longo de algumas décadas. Por um instante, aterroriza-se com a sua própria transformação. Há quase vinte anos cumpre a mesma rotina, da fábrica para casa, entre as viagens às cidades do interior da região sudeste do Brasil e vice-versa. Sua vida privada tem sido de acomodação e passividade. Não constituiu família e tampouco adquiriu bens. Dá um grande suspiro enquanto avista o velho voltando.

Manoel senta-se novamente e permanece calado por alguns minutos parecendo que perdeu o ritmo da conversa anterior. Olha em volta da praça e para o céu várias vezes. João também observa o silêncio. Depois de algum tempo o velho volta a olhá-lo e fala:
- Filho, gostaria de me desculpar, pois fiquei pensando se você não está entediado com esse meu assunto. Só falei de mim o tempo todo. Fique a vontade para contar-me um pouco de sua vida também, se quiser.

João avalia que não há mal em abrir-se ao idoso, pois daqui há quatro horas, provavelmente nunca mais irá vê-lo novamente. Além disso, esticar a conversa fará o tempo passar mais rápido até o amanhecer.
- Não há muita aventura na minha vida. Tive uma infância pobre, mas feliz. Meu pai, já falecido, era escrivão da polícia em São Paulo e minha mãe era costureira. Tiveram dois filhos, meu irmão mais velho, Jorge, e eu. Ela tem agora 68 anos e não trabalha mais. Aos 16 anos tive que começar a trabalhar como office-boy num banco, para ajudar em casa. Só conclui o segundo grau e não pude fazer faculdade particular, pois não tinha dinheiro e a faculdade pública ficou inviável, pois era de turno integral. Apesar do pouco estudo, fui promovido à escriturário e depois, à operador de caixa. Fiquei no banco por sete anos.

- Um bom tempo para o primeiro emprego, visto que você era um menino quando entrou, comentou o velho.

- Creio que eu poderia ter ficado por muito mais tempo lá, pois havia uma certa estabilidade no cargo e além disso, o banco tinha a política de formar seus profissionais e retê-los por longos períodos, continuou João. Foi então que um amigo de infância convenceu-me à ingressar no ramo de vendas, mais precisamente de consórcios de equipamentos eletro-eletrônicos e de móveis de linha branca, atividade que estava apenas iniciando no país naquela época. Durei pouco no ramo, cerca de dois anos, decepcionado com os resultados.

- Sei como é, afirma Manoel, com um olhar de empatia.

Mais trinta minutos se passaram e João interrompe o relato. O cansaço e o tédio revelam-se em um longo bocejo. Agora é ele que precisa ir ao banheiro. Levanta e dirige-se para o sanitário.

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