terça-feira, 28 de setembro de 2010

A Noite Interminável

Parte VII
Na volta, João decide contornar a praça em sentido contrário, pelo trajeto mais longo, afim de fazer passar mais alguns minutos da interminável madrugada. Olha o relógio novamente. São três horas e trinta e cinco minutos. Entre os canteiros de plantas e flores, existem dois bustos de bronze, provavelmente de cidadãos eméritos da cidade. Mais adiante, há brinquedos: balanços, escorregador e gangorra. No centro, há muitas àrvores frondosas e um antigo coreto todo de ferro trabalhado, com detalhes no telhado.
O retorno ao banco leva apenas cinco minutos. João dá uma longa espreguiçada, antes de sentar-se.
 Manoel volta a falar com ele, retomando a sua história:

- Sabe filho, que eu resolvi aproveitar uma situação econômica favorável para mudar-me da capital para cá? Essa cidade prometia ser um grande pólo calçadista no início dos anos setenta. Instaram-se mais de dez grandes fábricas de renome nacional. A cidade quase dobrou de tamanho, chegando a ter cinquenta mil habitantes naquela época. Pensei que aqui, meu negócio poderia crescer junto com as indústrias do calçado e passei adiante o ponto em São Paulo, no começo de 1972. Com as economias acumuladas em quase dez anos, aluguei um prédio térreo bastante espaçoso para servir mais de mil refeições por dia. Era uma meta ambiciosa. Quase triplicar o número de refeições servidas por dia. Trouxe comigo cinco funcionários e contratei mais quinze daqui mesmo.
- O senhor devia mesmo saber onde queria chegar. Mas, por que mil refeições?, indagou João.
- É que naquele tempo as indústrias instaladas aqui já contavam com refeitórios próprios para servir os seus trabalhadores. Eram ao todo uns dezoito, vinte mil funcionários, porém uma parcela entre cinco à dez por cento deles não tinham direito ao benefício, por várias razões. Além disso, havia os empregados do comércio local e os moradores em geral. Então, calculei que mil era só o começo e bem poderia dobrar essa quantidade em alguns meses.
- E deu certo?, interrompeu João novamente.

- Foi um sucesso! Fiquei surpreso com os bons resultados em tão pouco tempo. Guardo os cadernos até hoje, responde o velho. E com um orgulho indisfarçavel, pos-se a contar: no primeiro mês, preparamos em média oitocentas refeições diárias. No segundo mês, novecentas. No terceiro, mil e cem almoços. No sexto mês de funcionamento, mil e trezentos. Após o primeiro ano, já servíamos mil e quinhentas refeições todos os dias. Esse número manteve-se estável por mais uns dois anos, até 1976, que eu me lembre. Depois começou a cair e não parou mais.

Apesar da sensação de ter areia nos olhos, João está atento à história do idoso. Dá mais uma olhada no relógio e vê que são quatro horas. Uma sensação de alegria lhe invade, talvez por estar se aproximando a manhã tão esperada e ele pergunta curioso: - Mas o que aconteceu então, por que diminuiu?

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