sábado, 16 de outubro de 2010

A Noite Interminável


Parte VIII

Manoel limpa a garganta, depois de um longo suspiro: - Infelizmente meu filho, o dinheiro não têm alma! As fábricas foram deixando a cidade. Uma soma de fatores levaram os calçadistas à estabelecer-se em Franca. Políticos inoperantes, Guerra fiscal pelas empresas entre os municípios, adoção do modelo exportador de calçados pelo governo federal, menor distância até o porto de Santos, mão-de-obra mais qualificada e fácil de captar e maior população foram determinantes. No início dos anos oitenta só duas indústrias permaneceram. O contingente de trabalhadores caiu para mil e quinhentos e hoje, não chega à mil em ambas. Podes imaginar como a cidade decaiu depois disso? Foi uma tristeza só.

- Posso apenas ter uma vaga idéia do desastre que deve ter sido. Só quem sente na própria carne um infortúnio como esse pode realmente saber como é, responde João, em tom solidário.

- Tive que me adaptar para sobreviver, rebate o velho. Encolhi o negócio: mudei para um local com metade da área anterior, demiti empregados, me desfiz de bens particulares, terrenos, automóvel, casa na praia. Fui morar numa casa modesta e por aí foi por uns cinco anos, até que pude estabilizar a vida novamente. Voltar a estaca zero, como se diz! Mas isso já faz muito tempo. São àguas passadas!

João olha para Manoel sem dizer nada. Permanece calado por um longo tempo, como que digerindo a narração da história. Consulta o relógio novamente. São quatro e meia. Apesar de ainda estar escuro, o dia já ameaça despontar. O cantar precoce de um galo o anuncia.

Depois de minutos que parecem horas, o idoso quebra o silêncio: - E você filho, como foi parar na indústria de confecções?

- Depois que deixei a empresa de consórcios, já tinha alguma experiência com vendas. Certo dia ao folhear as páginas dos classificados de um jornal, respondi ao anúncio de promotor de vendas de roupas. Não foi muito difícil conseguir a vaga e depois de vinte anos na empresa, promovido para vendedor e depois para supervisor, cá estou hoje! Minha vida têm sido rodar pelo interior do Estado com uma equipe de oito vendedores, cada um com um roteiro diferente.

- Você pretende ficar quanto tempo aqui?, indaga de novo Manoel. E prá onde vai depois?

João olha prá cima, cruza os braços e fica um bom tempo contemplando o céu, antes de responder. Depois, torna a olhar para o velho e fala:

- Estranho sabe, não tenho rumo certo dessa vez. Amanhã, antes de ir embora, terei que telefonar para a fábrica para confirmar o próximo lugar. Talvez até me mandem voltar para casa!

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