sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Noite Interminável

Final

São sete horas. Duas mulheres conversam na cozinha da casa, durante o café da manhã:

- Que coisa, mãe! Sonhei com o pai de novo essa noite! Ele estava sentado na praça, como sempre fazia quando perdia o sono. A diferença é que no meu sonho ele conversava com um viajante e contava ao homem a sua história de imigrante. Não estava sozinho, como o encontrávamos sempre que íamos buscá-lo, lembra?
- Minha filha, como posso esquecer? Ficava tão preocupada com o seu pai sentado naquele banco da praça por horas, as vezes até a manhã clarear. Ele pegou o hábito de ir prá lá logo depois que perdemos o restaurante, coitado. Tinha noites que não conseguia dormir por nada desse mundo. Depois que eu o trazia de volta, ele sempre me contava todas as conversas que tinha tido com as pessoas que encontrava nas madrugadas. Eu nunca vi ninguém lá quando chegava, a não ser ele. Acho que era tudo imaginação dele!
- Acho que não, mãe. Apesar de todas as dificuldades o pai se manteve equilibrado o tempo todo. Que a gente saiba, ele nunca teve problemas mentais ou qualquer distúrbio emocional. Não ia ficar por ai falando sozinho e inventando pessoas imaginárias.
- Só Deus sabe, filha. Passamos por poucas e boas! Talvez conversar sobre sua vida e sobre os negócios com gente desconhecida à noite era o seu modo de fugir dos problemas que enfrentava em silêncio durante o dia.

Nesse instante, a campainha toca e a filha corre para atender. Segundos depois, volta para a cozinha com o jornal na mão e comenta com a mãe:
- Que pavor o acidente de ontem, né? Será que deu tempo de publicar aqui informações mais detalhadas. Ouvi que cinco pessoas morreram e nove ficaram feridas.
- Nem me fala, Joana! Ontem fiquei acompanhando pelo rádio até por volta das dez da noite. Até aquela hora não tinham ainda conseguido identificar todas as vítimas e nem sabiam quantas eram, mas os feridos foram todos encaminhados ao hospital.

Aberto em cima da mesa, lia-se na capa do jornal local: “ACIDENTE NA RODOVIA PRES.EPITÁCIO-SÃO PAULO MATA SEIS“
Ontem a tarde, próximo das dezoito horas e trinta minutos, um ônibus que fazia regularmente a rota na rodovia, caiu em um precipício ao tentar vencer uma curva muito fechada ao chegar na entrada da nossa cidade. A queda foi de sessenta metros e a parte dianteira do ônibus ficou totalmente destruida. O ônibus levava vinte e dois passageiros. Seis pessoas não resistiram, entre elas o motorista do veículo. Outras oito ficaram feridas, sendo que sete delas foram encaminhadas à emergência do Hospital Geral. Não se sabe ainda do estado dos passageiros. Um deles, um homem, sofreu apenas ferimentos leves nos braços e horas depois, forneceu-nos um relato emocionado da tragédia(ver quadro abaixo).
Em seguida da foto no local do acidente, o jornal informava a lista dos hospitalizados e depois, a relação das vítimas fatais e entre elas constava:
João Doni, 45 anos, natural de São Paulo, Supervisor de Vendas da Indústria Têxtil Brasileira. Viajava para Presidente Epitácio à trabalho, segundo informações da empresa.



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