sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Noite Interminável

Parte III



Parece vivenciar um sonho. Uma voz calma o chama várias vezes: - Ei moço, dá licença? Ei, moço, acorde! Moço, moço, está me ouvindo? O corpo inerte pelo cansaço não reage. O sono é profundo. Uma mão toca seu ombro e após poucos segundos, volta a tocá-lo. Não há reação. A mão agora sacode o seu ombro com uma intensidade maior e a voz repete com a mesma calma: - Moço, acorde, por favor!
João desperta e empurra bruscamente a mão de seu ombro. Numa fração de segundos, tenta ficar sentado. O lenço voa. Ainda não compreende o que está acontecendo. Segundos depois já está em pé, ao lado do banco e muito assustado. Percebe um homem a sua frente e bastante irritado, grita com ele:
- Seu velho maluco! O que pensa que está fazendo? Quase me mata de susto!
Um homem idoso, de rosto encovado e corpo magro, aparentando ter uns setenta e cinco anos, vestido com um pijama listrado e chinelos de couro, responde calmamente, abaixando os óculos em direção ao nariz:
- Me desculpe moço! Não tive a intenção.
- Não teve a intenção? Você sabe que horas são? São uma e meia da manhã e você surge sabe-se lá de onde para me acordar, falou João ainda muito irritado.
- É que eu costumo sentar nesse banco nas madrugadas, quando não consigo dormir. Faz muitas noites que não prego o olho e então me sento aqui e fico pensando na vida. Pensei que seria bom ter uma companhia para variar, explicou o velho.
Mas que velho sem noção, pensa João, retomando a calma e percebendo que o idoso não é uma ameaça. Volta a sentar no banco e ajeita um pouco suas roupas amarfanhadas. Fica um longo tempo friccionando os olhos e depois puxa os óculos do bolso do paletó e coloca-o. Olha para cima e agora vê com mais clareza a face do idoso, embora a noite encubra os detalhes. Fica em silêncio ainda por vários minutos, até que retoma a conversa, num tom mais conciliador:
- O senhor pode sentar, então.
O homem senta devagar, apoiando-se no braço de concreto do banco. Não demonstra estar cansado pelo esforço, apesar da idade. Também se acomoda no banco e inspira profundamente.
Estranho quadro na madrugada de uma praça do interior: um forasteiro cheio de bagagens e um morador idoso de pijama e chinelos.
(continua...)



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