sábado, 20 de março de 2010

Acontece nas melhores famílias (e também nas piores)

São três crônicas que escrevi a respeito da experiência de estar desempregado. Essa é a primeira delas.

I - Saindo depressa

Segunda-feira, nove da manhã, iniciando Fevereiro de 1997. A família toda rumou para a praia bem cedinho e já deve estar chegando lá.
No escritório mal começou a semana e eu espero ansioso pela Sexta-feira, quando finalmente sairei em férias também. A manhã está muito quente e o ar condicionado ligado a mil, sistema no ar, poucas ligações telefônicas ainda, muita papelada como de costume. Minha secretária não voltou ainda de suas férias e por isso, preparo o café. Os colegas de sempre aparecem, guiados pelo aroma, para filar o primeiro cafezinho de uma série e comentarmos as primeiras do dia.

Alguns minutos depois, chega o chefe. Ele ocupa a sala ao lado da minha. Passam-se uns quinze minutos e o meu telefone toca. É ele, pedindo que eu dê "um pulinho" em sua sala.
 – O que o cara já quer tão cedo?, penso, enquanto dirijo-me apressado para lá.
Entro na sala, dou bom dia e mal me acomodo na cadeira quando ele comunica meu desligamento. Fico zonzo com o petardo e mal consigo ouvir a sua exposição de motivos, seguida de longa descrição de minhas qualidades pessoais e profissionais.
 Depois, um pouco mais recomposto, reconheço as oportunidades recebidas e os conhecimentos adquiridos na empresa e o valor que terão para o meu futuro profissional a partir de agora, etcetera e tal.
O martírio dura cerca de meia-hora e ao final, sou elogiado pela minha dignidade.
-Era só o que me faltava não mantê-la! Se há seis anos entrei pela “porta da frente”, saio agora por ela também.
Na verdade, eu já desconfiava que seria demitido, pois havia recebido muitos sinais de que iria acontecer. Entretanto, o momento exato da demissão é muito duro e acredito que ninguém se prepara realmente para receber essa notícia.

Ao deixar a sala, sinto-me um morto-vivo. Nos corredores, passo por colegas que ainda não sabem do ocorrido. Eles agem de forma normal comigo, mas quando souberem daqui há alguns minutos, me transformarei numa assombração vagando pelos departamentos.
 Serei a terrível lembrança do que também poderá lhes acontecer no futuro e é preciso removê-la bem rápido.

 - Eu também quero remover-me voando daquí!

0 comentários: