segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Situação crônica

No ônibus  


A vida imita a arte. Descubro todas as manhãs ao entrar no ônibus que pareço estar num filme do Fellini ou numa pintura do Salvador Dali.
No meu horário habitual, a lotação é tão grande que o ônibus parece querer desafiar uma das leis da física, a de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço.
Chegar à roleta é uma façanha e depois ao cruzá-la, trato de desocupar o corredor e segurar-me, pois os solavancos, arrancadas e freadas bruscas são tão normais quanto os esbarrões, pisões no pé e os arrastões das bolsas e mochilas. 
Às vezes misturado ao zum-zum-zum interminável de conversas e risadas, tem o som ambiental, com músicas de alguma dupla sertaneja ou dos pagodeiros da hora e, pode ser que haja ainda, aquelas pedidas pelos ouvintes daqueles programas matinais populares de entretenimento. O cobrador, a todo o momento fica “ajudando a otimizar o fluxo de passageiros no interior do veículo” com seu pobre jargão e seu irritante assoviozinho.

Caso consiga sentar-me, coisa meio improvável de acontecer, atraio ao meu lado gente que está sempre comendo alguma coisa. É provado cientificamente que bolachas recheadas, bergamotas, cheetos com fanta uva, pastelina, balas de iogurte ou de framboesa são os alimentos preferidos dos passageiros de ônibus. Outras pessoas puxam assuntos e comentam despretensiosamente sobre o tempo ou o trânsito, justo quando tento concentrar-me na leitura de um bom livro. Há os que dormem ao meu lado ou pior, em cima de mim.
Têm os perfumados e os “perfumentos”, que ao passar deixam trilhas para o bem e para o mal, sem falar nos que se encostam a meu ombro.

Finalmente, existem os pretensiosos que gostariam de mudar a natureza coletiva do ônibus. Contra isso, existe uma resposta na ponta da língua do motorista mal educado, que quando advertido pela passageira que se sente tratada como gado, tasca:

- Madame, se não está gostando, compre um carro ou vá de táxi!

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